Diário de Guerrilha: 28/10/2003. Clima instável; prenúncio de temporal. Ótimo: isso só exacerba a minha revolta.

Uma tarde em Saigon.

Primeiro, a surpresa, o choque: uma colega de trabalho sofreu um acidente. Mais uma vítima de um sistema de trânsito onde a impunidade impera.
A avaliação prelimar indica escoriações na fronte e deslocamento femural. Conduzida ao maior Hospital público de Florianópolis - mas o que descrevo a seguir pode ser visto na maioria dos hospitais brasileiros. E, para nossa indignação, chegar a acreditar que "ela está sendo bem tratada; em outros lugares poderia ser pior."
(O que pode ser pior ? O atendimento médico nos campos de concentração nazistas ?)
A fila, imensa, na sala de espera. Homens e Mulheres, alguns idosos, outros mais jovens. Crianças. Alguns bebês. Em todos os rostos, uma expressão que mistura dor, angústia (e indignação - mas sofrem calados. Pela dor e por saberem que para eles, não há o que possam fazer, além de esperar).

Nossa colega estava com um dedo quebrado, que não foi sequer enfaixado. Seu aparelho ortodôntico, danificado no acidente, machuca e fere sua boca.
O quadro de enfermeiros a atendem de forma monossilábica e sem olhá-la nos olhos.
O deslocamento do fêmur implica na aplicação de um pino, que trespassa a perna abaixo do joelho, no qual são encaixados pesos (como pêndulos). Uma visão impressionante, mas nessas alturas não há mais o que possa nos chocar (fui visitá-la com três amigos).
Na saída, uma espécie de alívio; por saber que o quadro dela não inspira maiores preocupações, e, embora possa soar de forma mesquinha, o simples fato de poder sair daquele Hospital já constitui um (falso) alento. E uma amarga constatação: Os planos de saúde estão se tornando bens de primeira necessidade.
Caminhei com uma amiga pelo Centro da cidade; não queria (queríamos ?) voltar à nossas casas com aquelas cenas na mente. Acompanhei-a até próximo do seu prédio.
Voltei a pé (6 Km ? Talvez menos) para onde moro, comí alguma coisa, tomei um banhão e dormí. Queria ter sonhado com um serviço hospitalar eficiente (e digno), bem aparelhado, com um Corpo Médico bem remunerado e qualificado. Mas não sonhei nada.

É óbvio que o atendimento hoje prestado pela maioria dos hospitais públicos reflete a própria condição do Estado Brasileiro; médicos e enfermeiros mal remunerados, trabalhando quase doze horas por dia, sob um quase insuportável stress. Sem os equipamentos adequados, sem as condições adequadas. No olhar dos médicos e enfermeiros, nota-se quase a mesma dor dos pacientes.

Me sentí em Saigon, hoje Cidade de Ho-Chi-Min, capital do antigo Vietnãm do Sul.
Mas queria estar em Viena, Barcelona, Oslo. Não, eu queria que o Brasil proporcionasse a seus filhos o mesmo atendimento destas cidades.
São filhos que pagam caro a cada suado mês sua contribuição previdenciária. E recebem de volta uma viagem à Saigon...

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