Diário de Guerrilha: 18/07/2009.

Descobrí ontem que minha conta foi desativada no blogger.com.br (obrigado, Dona Globo...), onde o www.guerrilheirodapaixao.blogger.com.br estava hospedado, depois de quase seis anos.

Copiei todos os posts,para cá em ordem cronológica, para que não se percam. Lamentavelmente, todos os comentários - felizmente muito mais elogios que críticas - se perderam.

Espero retornar a produzir textos o mais breve possível.

Um abraço a todos !
Diário de Guerrilha: 02/10/2008. VOLTAMOS AO AR...

Neste dia histórico, este blog (criado há quase 5 anos em Florianópolis) está sendo "reativado" (em Curitiba...)
Voltei a usar o template antigo, o mesmo de tempos atrás - num resgate simbólico de um período de criatividade (e "auto-exílio").

Aos que esporadicamente me visitaram neste hiato de posts e lamentaram a minha ausência, dedico meus textos.

Valeu (e vamos em frente)...
(Escrevi este artigo a pedido de um amigo meu, para um jornal de bairro)

PEQUENO MANUAL DE ORIENTAÇÃO AO IMIGRANTE DE CURITIBA

Caro recém-chegado, siga atentamente estas instruções. Em caso de emergência tome um Lexotan.

01- Está perdido ?
Oriente-se pelas placas (bilíngues, que chique) de sinalização - elas custaram o olho-da-cara aos contribuintes que mal falam português.
Os curitibanos tem muito orgulho de seu arrojado projeto viário e quando se deparam com um perdido procurando o Prado Velho, por exemplo, mandam o coitado pro Fazendinha - para que ele conheça (mesmo a contra-gosto) todos os rincões da cidade.
Só uma coisinha: desista de procurar nessse mapa que te deram na rodoferroviária onde fica o bairro Champagnat. Ele não existe, ok ?

02 - Onde ficar ?
Não se preocupe: Em cada quarteirão do Centro você encontra um hotel (vazio, obviamente). Em alguns casos, até três. Pechinche ao se hospedar, talvez algum hotel até pague para que você ficar.

03 - Onde comer ? E o quê ?
Numa mesa, de preferência. Você não vai comer de pé, vai ?
Ok, ok. Não deixe de conhecer Santa Felicidade e seus risotos, suas lazanhas, gnocchi, spaghetti e tutto mais. Mas esconda as balanças de sua mulher.
Não deixe de provar um delicioso cachorro-quente com duas vinas e um cúque. Eu adoro comer o cúque da minha vizinha. Com uma bela banana caturra, é claro.

04 - Como ir ?
De ônibus, claro. A cidade tem um sistema de transporte coletivo invejado pelo mundo todo - exceto nos horários de rush - quando com certeza você desejará estar num taxi com ar condicionado e sem ninguém a esmagar seu pé direito ou te espremer com sacolas. Nos dias frios, como os ônibus circulam com os vidros hermeticamente fechados, leve seu próprio clilindro de oxigênio.
E não se espante se nenhum marmanjo ceder seu lugar a idosos ou gestantes - há uma estranha e repentina espécie de autismo os impede de levantar nos ônibus lotados.

05 - O que fazer ?
Curitiba oferece diversos shoppings para você passear enquanto uns reparam nas roupas dos outros e diversas lojas populares para você comprar lembrancinhas para a sua sogra, sua tia e o cachorro do seu cunhado.
Nos mercados, não se incomode se por ventura alguém ficar olhando ostensivamente pro seu carrinho: o curitibano avalia que você é pelo o que você compra. (Quando faltar papel higiênico, recorra a um serviço de tele-entregas).

06 - Pontos Turísticos
A rua das Flores e sua famosa Boca Maldita. Onde toda a fauna urbana em sua bio-diversidade se manifesta: Desde os doidos que sem motivo aparente começam a berrar até o ciclista besuntado de sunga. Detalhe metodológico: Aqui ao caminhar ninguém desvia.
Se alguém vem em sua direção, a inércia fará que ele permaneça em rota de colisão, esperando que os demais desviem.
No Parque Barigüi você comprovará que toda Lei de Física pode ser contrariada, pois dois corpos podem ocupar o mesmo lugar no espaço aos domingos.
No Jardim Botânico você poderá sentir a maresia mesmo estando a milhas do litoral mais próximo.
Já nos bairros o máximo em diverão e entretenimento consiste em lavar o carro com aquelas caixas de som enormes pra fora do porta-malas, no último volume, enchendo o saco de toda vizinhança num raio de 5 Km com um tush-tush de torrar o saco.
Até às duas da madrugada.

Aproveitem este guia e boa estada em Curitiba.
(Eu faço algumas coisas que escrevi aqui)*

*Marcos Caiafa não nasceu em Curitiba, já morou num monte de lugar e não troca isso aqui por nada.


Diário de Guerrilha: 26/10/2005. Quase uma piada dizer que tenho um blog...
Uma cidade tão linda tem uma faceta da alma muito feia:

A Velha Fascista

As pessoas não desviam; esbarram em você nas ruas.
Nos ônibus, olhos a reparar, medir, ora sizudos, ora veladamente sarcásticos.
Nos corredores dos prédios, os vizinhos que não se cumprimentam, se evitam.
Os colegas de trabalho ou de classe que passam por você de carro, e não oferecem carona.
Os currículuns de afro-descendentes que discretamente são jogados no lixo minutos após serem entregues.
A compulsão em saber o sobrenome de todos.
Os comentários de que "gente de fora" não presta.
Os burguesinhos com o carro do pai cometendo delitos impunes no trânsito.
As meninas com roupas de grife e ar blasé desfilando na Batel.
Carros da frota estadual usados para pescarias.
Casas imensas de políticos, com cercas e vigias, para impedir os cem anos de perdão.
Querem saber tudo sobre você, mas deles, não se conta nada.
As calçadas de pedras irregulares que não gostam de carrinhos de bebês, velhos e deficientes.
As ameaças contra homossexuais afixadas nos muros.
Mal-encarados anabolizados de cabelo curto e roupa preta.

Cidade Fascista.
Na contra-mão da globalização.
Retrovisores voltados ao passado.
Cheiro de mofo e podre.

Diário de Guerrilha: 04/04/2005. A chuva que caiu ontem na mais polonesa cidade brasileira foi um pranto metafórico ?

Réquiem a Joannes Paulus II (Futuro São João Paulo II)

Vasco X Fluminense, Maracanã lotado, década de 80. Falta a ser cobrada pelo tricolor.
Nos angustiantes momentos que antecedem a cobrança, a torcida do Fluminense começa a entoar um refrão cantado por toda a nação, há pouco tempo atrás: "A bençâo, João de Deus... A benção, João de Deus..."
Não posso afirmar se houve qualquer intervenção divina a favor dos tricolores (apesar do Vasco usar a Cruz da Ordem de Cristo em seu uniforme), mas o Fluminense venceu...

Esse João de Deus (que foi goleiro e torcedor do Cracowia) cantado no templo pagão do futebol foi um dos maiores persongens da história contemporânea.
Orfão de mãe ainda criança, viu sua Polônia ser arrasada e ocupada pelo horror nazista, foi prisioneiro em um campo de trabalhos forçados. Perde o pai. Decide abraçar o sacerdócio - mas todos os seminários foram fechados pelos invasores alemães... É acolhido de forma clandestina pelos religiosos sobreviventes, onde ao final da guerra é ordenado padre.
Com a libertação da Polônia pelo Exército Vermelho, vê-se diante de um paradoxo sarcástico e cruel: os soviéticos não vieram exatamente libertar a Polônia - e começa um novo ciclo de provações aos poloneses. O país é transformado num satélite soviético (comunista e ateu), e as liberdades individuais são quase extintas.
Torna-se Cardeal. E numa ousadia de destino, Papa.
Nos anos 80, o auge da Guerra Fria. João Paulo II visita a Polônia em pleno estado de sítio. O Solidarność, de Lech Walesa, torna-se o ícone das aspirações de liberdade. Apesar das ameaças de ocupação, a URSS não repete a "Primavera de Praga".

Aos poucos, João Paulo II conseguirá realizar tudo o que complexo militar americano fracassou: Desmantelar a União Soviética, desembarcar em Cuba e fazer de Arafat um aliado. Sem armas, aliás, com a melhor delas: com palavras.
Tamanha ousadia custou-lhe um atentado encomendado pela KGB, que quase lhe tira a vida.

Este Papa, esportista, poliglota, estadista, tinha seus defeitos - acusado de retrógrado, pois muitos esperavam uma postura mais progressista da Igreja - mas soube superar seus críticos visitando diversas nações no mundo, já doente, num ato de superação e sacrifício; promover boas relações com outras religiões (judeus, ortodoxos e islâmicos); condenar as guerras e finalmente ser aclamado como o maior dos Papas pelos católicos.

No Brasil, em sua primeira visita, testemunhou a miséria do povo e a opressão do regime militar.
Em sua segunda visita, nosso país retomava (embora que por vias tortas, com Collor) o caminho democrático...

O Bosque que leva seu nome em Curitiba, além de representar a imigração polonesa no Paraná, foi palco de uma série de aparições de Nossa Senhora na década de 80. Com a revelação o terceiro segredo de Fátima, tais aparições sugerem hoje todo o tipo de especulação.

De João Paulo II, que ví passar ligeiro no Eixão de Brasília a bordo de seu indefectível papamóvel ainda garoto, guardo o exemplo de um grande homem, que mudou o mundo. Para sempre.

Diário de Guerrilha: 04/02/2005. Eis aí, cara Tati, o post sobre o filme francês Irréversible.
Não sou fatalista, mas o tempo destrói muitas coisas, sim. Ainda bem...

O Tempo destrói tudo (?)

Meu lugar favorito em Floripa não era Jurerê, nem a Lagoa, muito menos a Joaca. Nunca fui um animal marinho, e além disso, meu bronze Lestat denuncia meu lado transilvânico.
Poizé, meu lugar favorito em Floripa era o CIC - Centro Integrado de Cultura.
Teatro (o maior de FLN), cinema (exclusivamente filmes do circuito alternativo ou cults), espaço para vernisages e o melhor barzinho da ilha, o Matisse (nem em Paris há um lugar como esse, pelo ambiente, e pelo ecletismo das bandas).
Certo dia, vejo no mural da programação: "Não perca o pesado e polêmico filme Irréversible". Duas palavrinhas que me cheiraram à armação de marketing, "pesado e polêmico". Lendo mais atentamente, duas matérias, traduzidas do Libération e do Le Monde advertem os expectadores que é uma obra "corrosiva, de certo mau gosto e de forte violência" (na verdade, os termos podem não ser bem esses, mas o resumo da ópera é por aí). Li as matérias, e apesar de saber que há uma longa e revoltante cena de estupro, me interessei em assisti-lo.

Passado quase um ano, assisti sim. Em casa, no DVD. Em Curitiba - eu perdi a exibição no CIC, e acabei voltando a morar na capital do Paraná.

Irréversible é muito mais revolucionário e crítico do que pesado e polêmico - com seu ar underground, do qual não consigo desassociar das obras do mestre Nélson Rodrigues, Plínio Marcos e Dalton Trevisan; a violência nua e crua, nos bas-fonds de Paris, entre muita droga, gays, prostitutas e travestis. Dentro de uma ótica européia, evidentemente, do controvertido (e criativo) diretor Gaspar Noé. Nada do tom mondo cane (hipócrita e pseudo-jornalístico) de um Aqui Agora ou Cidade Alerta - onde homicídios, fratricídios, genocídios e suicídios não nos chocam mais, por estarem (infelizmente) tão presentes em nossa sociedade.
A montagem não convencional de Irréversible é outro ponto de destaque. Não segue a linha normal de enquadramento, a câmera oscila, gira, desce para entrar na cena. Diálogos crus, degradação social, temática neurótica-urbana - tudo isso faz deste filme uma versão punk-hardcore da Vida Como Ela É (ou uma Laranja Mecânica pré-apocalipse). No final, um "quê" de 2001, Uma Odisséia no Espaço (há uma quase imperceptível referência, num poster do filme, antes de se abrir a tomada final).
Os atores parecem não ter ensaiado suas cenas e falas; há uma naturalidade, um descompromisso com a estética e a decência.
Monica Bellucci não faz de sua beleza um mero atrativo. Seu personagem é o ponto chave do roteiro.

Nos créditos, uma referência ao concretismo russo (que muito admiro). A trilha sonora é agressiva, pulsante, hipnótica.
No enredo, o fatalismo é quase um personagem, é presente.
Como um conselho dado por alguém antes de se atravessar a rua: "use a passarela subterrânea, é mais segura".

É irreversível: assistir este filme nos faz questionar esse mundo que vivemos e a droga na qual ele está se transformando.
Por nossa culpa, nossa máxima culpa.

Diário de Guerrilha: 01/01/2005. Sim, dia de Ano Novo. E eis-me aquí, em pleno trabalho. Pelo bem do turismo e hotelaria brasileiros...

Dia de Ano Novo

O sono só foi bater mesmo lá pelas três.
O despertador me arranca de um sonho meio esquisito às sete da manhã.
No "automático", me visto, escovo os dentes, me mando.
No elevador percebo que os meus sapatos precisam urgentemente de graxa.
E eu, de mais horas de sono.
Minha cara grita isso.
Cumprimento o porteiro, olho para o céu. Cinza, mas isso é default. Daqui a algumas horas estará azul.
Entro no carro.
Músicas velhas no rádio - aquelas baladinhas comerciais pop insuportáveis.
DJ em ressaca e seus cartuchos com sucessos datados.
Ninguém na rua. Ninguém mesmo.
Na Martin Afonso. Na Padre Agostinho.
Tive a impressão de ver um mendigo na esquina com a Desembargador Motta - mas foi só impressão.
Doutor Muricy; desvio de um cachorro no meio da pista.
Um cachorro bege, parecia um Labrador.
O cachorro não se moveu.
Esquina com a XV: Um pombo, num rasante, sobrevoa o meu carro e desaparece rumo à Tiradentes.
Esquina com a Marechal Deodoro: Ví um ônibus.
Aqueles tradicionais, amarelos.
Passo a Carlos Gomes, dobro na André de Barros.
Bancas de jornais fechadas.
A Gazeta do Povo não circulará hoje.
Nem o Bar do Alemão abrirá, muito menos as lojas do Mueller.
Entro na Barão do Rio Branco e paro o carro.
Desço, entro no hotel.
E começa um dia de trabalho.