Diário de Guerrilha: 14/10/2003. Clima ameno, ao contrário do meu humor: hoje estou ácido e corrosivo.
Como a baba do
Alien do filme de Ridley Scott.

Nós, Homens (Afinal, le donne foram o assunto do último post).

As mudanças na sociedade, desde a segunda metade do século XX, vem redefinindo o conceito do macho contemporâneo.
Na minha infância, na sisuda Wiesbaden (Alemanha), ví certa vez um policial dar uma bronca no meu pai por ele ter cuspido no chão. E, de volta ao Brasil, algum tempo depois, ví meu pai repetir este gesto na minha frente. Perguntei inocente se alguém iria brigar com ele. Meu pai respondeu que não, e que homem fazia isso no Brasil. No calor do Rio de Janeiro, minha mãe me comprou um picolé (de limão, incrível, mas me lembro bem disso). Abrí o sorvete e dei o papel para minha mãe. Não havia lixeira na rua. Não havia lixeira no quarteirão. Acho que não havia lixeira pública naquela época (anos 70) em todo o Estado do Rio...
Minha mãe acabou jogando o papel num bueiro (para meu espanto). Ela disse que "aquí no Brasil pode, não tem cesta de lixo na rua". O tempo passou, e eu nunca cuspí no chão. Nem joguei lixo na rua. Ao contrário de todos os meus amiguinhos...

Houve um tempo que educação demais era confundida com, digamos, viadagem (não pretendo ser pejorativo). Qualquer um que usasse termos como "perdão", "me desculpe", ou evitasse ver uma menina na rua e gritar "ô gostosa !", pronto: esse jogava água fora da bacia (gíria paranaense bastante peculiar). Chorar, então, era a prova cabal. E eu chorei ao vencer campeonato de futebol de salão, ao ver o Piquet se tornar campeão, quando o Brasil perdeu para a Itália em 82, ao ver a emenda das Diretas Já não ser aprovada pela Câmara (com marca de cacetete no ombro), quando fui embora de Brasília e deixei minha namorada (enquanto o país se embalava no Rock in Rio), quando o Muro caiu (junto com minha ideologia - já escreví sobre isso). E, no meio de tantas lágrimas, minha masculinidade se manteve incólume...

"Será que a gente divide a conta do barzinho ?"
"Pega mal já ir pegando nos peitos da mina na primeira saída com ela ?"
"Pô, galera, comí a fulana ontem... Que bunda, cara !"
"Vou pra um congresso amanhã, quem sabe a gente não cata umas putas e fez alguma coisa, né ?"
"Não sei, mas acho que o meu é muito pequeno. E se ela não gostar ?"
"Ontem eu gozei e dormí, deixei a patroa na mão. Mas ela nunca reclama mesmo e quem trabalha naquela casa sou eu."
"Minha filha não sai com essa roupa não. Quer voltar grávida, é ?"
"A filha do fulano tá um tesão. Ah, se eu fosse mais novo..."
"Você é menina. Menina não pode e pronto."
"Menino não lava louça nem lava o chão. Deixa que a sua irmã faz isso."
"Mulher pra mim tem de ser virgem."
"Homem não leva desaforo pra casa. Volta lá e se você não bater no menino fica de castigo."
"Medo do escuro com seis anos ? Tá ficando igual a tua mãe ?"
"O pai bate na mãe porque ela merece. Vai pro quintal brincar com o cachorro."
"Vamos sem camisinha mesmo, eu não gosto de usar."
"Queimou o feijão de novo ? Você é uma inútil mesmo."

Frases.

O pai trocando a fralda da filha no shopping. O médico aprendendo a receita da paella valenciana. O namorado preocupado com o prazer de sua menina (e evita gozar antes). A rodinha de estudantes discutindo conceitos básicos de etiqueta. A filha discutindo com o pai sobre métodos contraceptivos. O filho dando de presente O Relatório Hite sobre a Sexualidade Feminina para a mãe.
Flashes.

O Homem do século XXI vai saber cozinhar. Vai fazer a mamadeira do nenê. Vai costurar o botão que caiu. Vai limpar o banheiro da sua casa. Vai fazer do prazer da companheira uma prioridade. Vai se importar com sua aparência e postura. Vai explorar a sensiblidade. Vai se emocionar sem olhar em volta primeiro. Vai manter sua energia, mas a catalizará para coisas positivas.Vai manter sua força, para sua própria saúde. Vai ser pai. E mãe. Vai ser educador, mas politicamente correto. Vai disciplinar, sem atemorizar. Vai ser mais humano. Vai ser um Homem.
Na essência da palavra.

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