Diário de Guerrilha: 04/02/2005. Eis aí, cara Tati, o post sobre o filme francês Irréversible.
Não sou fatalista, mas o tempo destrói muitas coisas, sim. Ainda bem...

O Tempo destrói tudo (?)

Meu lugar favorito em Floripa não era Jurerê, nem a Lagoa, muito menos a Joaca. Nunca fui um animal marinho, e além disso, meu bronze Lestat denuncia meu lado transilvânico.
Poizé, meu lugar favorito em Floripa era o CIC - Centro Integrado de Cultura.
Teatro (o maior de FLN), cinema (exclusivamente filmes do circuito alternativo ou cults), espaço para vernisages e o melhor barzinho da ilha, o Matisse (nem em Paris há um lugar como esse, pelo ambiente, e pelo ecletismo das bandas).
Certo dia, vejo no mural da programação: "Não perca o pesado e polêmico filme Irréversible". Duas palavrinhas que me cheiraram à armação de marketing, "pesado e polêmico". Lendo mais atentamente, duas matérias, traduzidas do Libération e do Le Monde advertem os expectadores que é uma obra "corrosiva, de certo mau gosto e de forte violência" (na verdade, os termos podem não ser bem esses, mas o resumo da ópera é por aí). Li as matérias, e apesar de saber que há uma longa e revoltante cena de estupro, me interessei em assisti-lo.

Passado quase um ano, assisti sim. Em casa, no DVD. Em Curitiba - eu perdi a exibição no CIC, e acabei voltando a morar na capital do Paraná.

Irréversible é muito mais revolucionário e crítico do que pesado e polêmico - com seu ar underground, do qual não consigo desassociar das obras do mestre Nélson Rodrigues, Plínio Marcos e Dalton Trevisan; a violência nua e crua, nos bas-fonds de Paris, entre muita droga, gays, prostitutas e travestis. Dentro de uma ótica européia, evidentemente, do controvertido (e criativo) diretor Gaspar Noé. Nada do tom mondo cane (hipócrita e pseudo-jornalístico) de um Aqui Agora ou Cidade Alerta - onde homicídios, fratricídios, genocídios e suicídios não nos chocam mais, por estarem (infelizmente) tão presentes em nossa sociedade.
A montagem não convencional de Irréversible é outro ponto de destaque. Não segue a linha normal de enquadramento, a câmera oscila, gira, desce para entrar na cena. Diálogos crus, degradação social, temática neurótica-urbana - tudo isso faz deste filme uma versão punk-hardcore da Vida Como Ela É (ou uma Laranja Mecânica pré-apocalipse). No final, um "quê" de 2001, Uma Odisséia no Espaço (há uma quase imperceptível referência, num poster do filme, antes de se abrir a tomada final).
Os atores parecem não ter ensaiado suas cenas e falas; há uma naturalidade, um descompromisso com a estética e a decência.
Monica Bellucci não faz de sua beleza um mero atrativo. Seu personagem é o ponto chave do roteiro.

Nos créditos, uma referência ao concretismo russo (que muito admiro). A trilha sonora é agressiva, pulsante, hipnótica.
No enredo, o fatalismo é quase um personagem, é presente.
Como um conselho dado por alguém antes de se atravessar a rua: "use a passarela subterrânea, é mais segura".

É irreversível: assistir este filme nos faz questionar esse mundo que vivemos e a droga na qual ele está se transformando.
Por nossa culpa, nossa máxima culpa.

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